Feijão, farinha e carne seca. Qualquer paladar, depois de alguns dias, facilmente se cansaria dessa combinação.
Mas foi a partir dela que a cozinha brasileira começou a evoluir e enriquecer, até chegar aos dias de hoje.
É o que avalia a dissertação de mestrado da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP). A transmissão do conhecimento culinário no Brasil urbano do século XX, apresentada no Departamento de História Social da faculdade pela historiadora Débora Santos de Souza Oliveira.
Débora, que chegou a cursar Nutrição, conta que a cozinha ficava fora de casa na época da escravidão. “A comida era feita do lado de fora e levada para a sala de jantar”. Isso acontecia porque as refeições da casa eram preparadas pelos escravos e também porque grande quantidade de sujeira e fuligem se acumulava em torno do fogão, na época, a lenha.
Segundo a pesquisadora, foi somente a partir da cultura cafeeira que esse retrato mudou — principalmente na região Sudeste do Brasil, área de principal enfoque em seu trabalho. “O dinheiro proveniente do café impulsionou a industrialização e permitiu, entre outras coisas, a chegada do fogão a gás, a mudança de panelas de barro para panelas de alumínio e água encanada. Então a cozinha pôde ser um dos aposentos internos da casa.”
Com o fim da escravidão, a mulher do início do século XX se deparou com uma cozinha dentro de casa, sem escravos para cozinhar as refeições diárias. “Sem os serviçais e podendo utilizar dos benefícios da eletricidade, a mulher começa a cozinhar de um modo diferente, obedecendo a novas regras e costumes”, aponta Débora. Nesse momento, as indústrias alimentícias começam a evoluir no País. Com elas, as propagandas de preparo de alimentos também: ingredientes mais simples e tempo reduzido para cozinhar foram fatores que ganharam força.
Após a Segunda Guerra Mundial, a industrialização crescente no Brasil levou ao crescimento da produção e venda de eletrodomésticos. Dessa forma, também ficou mais simples adicionar outros elementos à culinária brasileira, como os diferentes sabores trazidos por imigrantes. “Italianos e espanhóis eram alguns dos imigrantes que desistiram de viver do trabalho agrícola e se tornaram pequenos comerciantes no Brasil”, conta Débora. “Essa variedade na alimentação chega até os dias de hoje, especialmente em São Paulo, em que se come todos os tipos de comida.”
INOVAÇÕES
Com a evolução da gastronomia, chega-se ao que Débora chama de comida contemporânea. Segundo ela, a comida passou a ditar um nível social. “Se você sai de casa para apreciar uma comida que não é usual, você é uma pessoa diferenciada”. Débora também conta que não é só a comida gourmet que dita essa diferenciação. “Um escondidinho de carne seca é nada menos do que charque e purê de mandioca. Ao gratinar a comida e colocá-la em uma porção individual, ela ganha outra identidade”, explica.
A comida orgânica também assume um novo papel. “Uma salada quente, usando ingredientes como quinoa, já define como a cozinha orgânica evoluiu. E a partir daí vão se desenvolvendo ‘tribos’, cada uma com seu gosto culinário”. Débora explica que, por causa disso, as indústrias alimentícias também trabalham o conceito de “comida ética”, que informa o consumidor que a carne vem de um animal que foi criado solto, ou que a industrialização de algum alimento não utilizou mão-de-obra infantil, por exemplo.
Por fim, a pesquisadora conta que as classes sociais também traçam seus perfis por meio dos alimentos que compram. “A indústria de alimentos passa a ser uma indústria de conveniência que quer atingir melhor as classes A e B e também influenciar a crescente classe C”.
Segundo Débora, as pessoas com maior poder aquisitivo são aquelas que buscam, nos alimentos semiprontos, uma comida com mais glamour e mais saudável. “São pessoas que leem rótulos e que querem saber o que estão comendo”.
A classe C, em contrapartida, busca aquilo que via as classes A e B consumirem. Ela é o grande público-alvo das indústrias de alimentos atualmente, para que essas possam garantir grande volume de compra. “Ao contrário das pessoas que já estão cansadas de comprar lasanhas instantâneas, as que integram a classe C buscam esse tipo de alimento, já que agora podem comprá-lo.”
A dissertação de mestrado foi orientada pelo professor Henrique Soares Carneiro.
MAIS INFORMAÇÕES
A dissertação completa está disponível http://cozinhanet.w8digital.com.br/download-c
Pesquisadora Débora Santos de Souza Oliveira
Telefone: (11) 4534-8630
E-mail: [email protected]
Fonte: Rafaela Carvalho/ Agência USP